domingo, 19 de setembro de 2010

"A ilha do medo" ("Shutter Island") - contém spoilers

Quando "A ilha do medo" terminou, minha cabeça estava a milhão. Eu fiquei discutindo tudo o que o filme havia revelado no final, e que ia contra tudo aquilo que eu acreditava ser verdade até então. Para mim, um bom filme, é aquele que me faz pensar sobre ele a partir do momento em que ele acaba, independente de eu ter gostado ou não da história.

O fato de você sentir a necessidade de pensar sobre aquilo que foi apresentado no filme, faz com que, no mínimo, ele tenha um caráter interessante. E foi o que aconteceu comigo quando começaram a passar os créditos finais.

Eu senti vontade de falar sobre tudo aquilo que se passou; como era possível aquela trama conspiratória ter partido da cabeça de uma pessoa que sofria de distúrbios mentais? É fantástico o modo como a história nos é apresentada, a partir do ponto de vista do narrador, e como nos conduz à certeza de que todos estão contra ele, quando na verdade, toda visão que nós foi passada é fruto de sua imaginação.

Depois de assistir aos extras, pude entender melhor essa "viagem" proposta pelo autor do conto, que deu origem ao filme - Dennis Lehane, e por Martin Scorsese, o diretor. É um suspense muito bem amarrado que te conduz pelo interior de um presídio psquiátrico que fica em uma ilha. Esse presídio, pelo qual nos esgueiramos durante o filme, é também uma forma de ver o que se passa dentro da cabeça de um paciente com problemas psiquiátricos.

Outra proposta de Lehane foi a de ilustrar o ano de 1954, quando os Estados Unidos passavam pelo período do "macartismo". Durante essa época, foram muito difundidas as idéias de conspiração por parte do governo. Dentre elas, existiam aquelas que afirmavam que os presídios psiquiátricos utilizavam seus pacientes como cobaias em experiências científicas. O ponto de vista do autor, portanto, fica claro a partir do desenrolar da história, já que ele deixa claro que seria absurda uma situação dessas.

Outro ponto que me interessou muito foi esse "passeio" pelo qual somos guiados pelo personagem de Leonardo Dicaprio pelo ambiente onde vivem essas pessoas, que são privadas do convívio social por terem distúrbios que as levaram a cometer crimes. O que me intriga é o fato de que elas, até o fatídico dia do crime, viviam normalmente suas vidas, em meio à sociedade, sem despertarem suspeitas a respeito disso. O que me faz pensar é que realmente o nosso cérebro é um labirinto pelo qual ainda vamos levar muito tempo até que consigamos descobrir o caminho para a saída.

Vale elogiar a atuação do Dicaprio. Ele representa muito bem esses papéis nos quais seu personagem está separado por uma linha tênue do momento em que ele vai surtar. Em "A ilha do medo", ele está a um passo de adentrar a insanidade ( e mal sabemos nós que ele já estava dentro dela).

No seu último filme, "A origem", ele coincidentemente também faz um personagem que se vê perturbado pelos fantasmas do passado e por causa disso ele não consegue viver em paz. Outro ponto convergente entre esses dois filmes do Dicaprio é o fato de que durante o filme, muitas vezes, perdemos a noção do que é real ou do que é um sonho.

Ao nos conduzir no mundo desses pacientes psiquiátricos, os quais vivem à deriva a respeito daquilo que é ou não real, o autor também faz com que tenhamos a mesma sensação pela qual eles passam todos os dias na ilha: nós ficamos presos o filme todo na dúbia sensação de estarmos ou não do lado certo da história.

"A ilha do medo" nos apresenta a seguinte dúvida: "É melhor viver como um monstro, ou morrer como um herói?". É essa a pergunta que ecooa na sala, mesmo após a tv já ter sido desligada.

Ps: Para se interessar, os extras do filme em Blue Ray trazem entrevistas muito boas com o autor do conto, o diretor e os atores. Além disso, Lehane nos mostra quais são as pistas presentes tanto no filme, quanto no livro, de que a visão apresentada por Dicaprio não poderia corresponder à realidade.

sábado, 18 de setembro de 2010

Adendo ao Beethoven

Só para ilustrar um pouco da vida e da personalidade do compositor, achei interesante essa frase da Clarice Lispector que me remeteu imediatamente ao que foi a vida dele:

"Viver tem que ser perturbador, é preciso que nossos anjos e demônios sejam despertados, e com eles sua raiva, seu orgulho, seu asco, sua adoraçao ou seu desprezo."

Acredito que com todos os traumas e pela infância difícil que Beethoven teve, ele não conseguiria ter sido um adulto comum. Sua vida foi permeada por perturbações (originadas de suas questões internas e pelas externas, como a surdez). Assim, toda essa sua inquietação ele conseguia externalizar através de sua inspiração e de suas composições.

Enfim, todos os gênios trazem consigo um quê de loucura, alguma ferida interna (ou externa) que não os permite viver em completa paz. Apenas quando estão em seu momento de criação e execução de sua obra, é que conseguem estabelecer um equilíbrio entre seu mundo interno e seu mundo externo. A genialidade tem, poranto, duas faces. Cabe aos "escolhidos" conseguir domar tudo aquilo que trazem dentro de si, que muitas vezes, é muito mais do que eles (ou mesmo o mundo) podem compreender.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Sonata ao luar de Ludwig Van Beethoven ("Sonata quasi una fantasia")

A primeira vez que eu ouvi "Sonata ao luar", eu tive um sentimento um tanto estranho. Ao mesmo tempo em que a música me encantava, ela também me pertubava. A sensação que eu tinha (e tenho até hoje) é de que ela quer me desequilibrar, quer me tirar de meu estado confortável para me transportar para um mais incômodo.

Todo esse misto de sensações vai evoluindo junto com a melodia, que começa mais calma e lenta, e pouco a pouco, vai sendo intensificada, passando a remexer em coisas que estão dentro de nós, mas que havíamos esquecido que estavam lá. É incrível pensar que uma música de tantos séculos carregue todo esse poder consigo.É como se ela transportasse os ouvintes para um transe, do qual só se pode sair após o fim da melodia.

Eu não sou uma "expert" em música clássica, mas garanto a vocês que o encontro com essa melodia pode ser uma interessante experiência, mesmo para nós, leigos. Daquilo que li sobre Beethoven e Mozart (que viveram em épocas próximas em Viena), pude perceber o quanto eles foram importantes para a cultura vienense, alemã e de todo o universo musical. Mas é interessante notar, que mesmo havendo um pequeno intervalo entre as composições de ambos, elas acabam sendo um tanto diferentes. Mozart tinha a forte influência iluminista, enquanto Beethoven, trazia o algo mais próximo do romantismo.

Devido à sua infância traumática, Beethoven trazia para sua música traços de toda essa perturbação pela qual passou em sua vida: a violência do pai, a morte prematura da mãe e a surdez precoce. Acredito que seja por isso que ele não pretendia trazer a paz para aqueles que ouvissem suas músicas - diferente do que se pode notar em Mozart - mas tentava passar um encanto perturbador, um sublime obscuro buscando nos apresentar os mistérios mais ocultos que estão entrenhados no íntimo de cada um de nós, mas que não consiguimos enxergar no nosso cotidiano.

Para quem se interessar mais pelo assunto, aqui vão dicas sobre a história do nosso compositor:

Filme "Minha amada imortal" - No qual Beethoven é interpretado genialmente por Gary Oldman.

Livro "A Gruta" de M.R. Menezes - Conta sobre a história de Mozart, Beethoven e sua possível "amada imortal", além do cotidiano de Viena do fim do século XVIII e do início do XIX.

Vídeo do Youtube http://www.youtube.com/watch?v=UIlkKOzIQhA - para se escutar de olhos fechados.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Para aqueles que maldizem os aspirantes a professores

Tem coisas que só Deus sabe. Ou explica. Ou talvez nem Ele possa. Por que algumas pessoas que são capazes e que até estudam em faculdades renomadas, se acham superiores às outras?

Essas “algumas pessoas” (não todas, por favor. Digamos que fazem parte de uma infeliz minoria) são aquela que fazem cursos que hoje estão em alta no mercado, como administração, economia, comércio exterior, por exemplo. Pois é, elas estão lá porque possuem (ou pelo menos deveriam) uma instrução diferenciada, considerando o país em que vivemos.

Então, um belo dia, uma pessoa dessas, faz a seguinte constatação quando eu respondi que faço faculdade de Letras: “- Que bosta.”. Sim, eu ouvi um sincero e espontâneo comentário desses em alto e bom som, para quem quer que estivesse em volta, ouvisse.

O que me deixa pasma, é que esse ser que pronunciou essas palavras, estuda numa boa faculdade e que para ter chegado até lá, ele passou por diversos professores de português. No ensino fundamental, no ensino médio e se tiver feito cursinho, lá também. Pois é, ou essa pessoa tem um trauma muito grande relacionado à língua portuguesa, ou ela é uma tremenda babaca. Isso mesmo, babaca. E explico porquê.

Os cursos chamados “puros” (como Letras, Matemática, Biologia, Física etc) não estão “na moda” e além disso, são muito específicos, o que não agrada a todos. Ainda assim, é a partir desses cursos que os professores, sejam da escola básica, sejam da universidade, são formados. E são eles que formam a base da nossa educação. Por isso eu os estou defendendo. Não só porque eu sou estudante de Letras, mas também porque eu acredito que a base de uma sociedade respeitável culturalmente, deve vir desde a educação básica, e por isso valorizo os professores (sejam de qualquer matéria ou nível). E se hoje nós fôssemos um país com um nível educacional um tanto mais evoluído, comentários como estes que eu ouvi (e que acredito que tantos outros professores já tenham ouvido), seriam menos freqüentes, ou até, quem sabe, nulos. Talvez essa Deus saiba.